Monday, November 3, 2008

Crônicas de bem querer

Junior

É mais uma terça-feira comum. Acordo na minha casa em cima de uma árvore no Parque do Ibirapuera e vou me banhar na lagoa com os patos. Coloco minha roupa do Batman e vou para o Banco trabalhar. No meio do caminho, bato em uns bandidos, os jogo na delegacia e depois tomo uma dose de catuaba selvagem pra aguentar o dia. Quando chego ao prédio do banco, normalmente esqueço o crachá, então teletransporto para dentro do escritório. Entro na cabine telefônica do terceiro andar e troco para minha roupa social - é sempre complicada a parte de guardar a capa, mas a gente aprende. Chego no departamento, ainda estou sozinho - então acesso a internet, escrevo um texto e deixo o tempo passar. Essas noites de insônia não me deixam em paz.

Chegam as meninas do departamento vestidas de líderes-de-torcida. Como não sei como me sentir, procuro no google "como me sentir quando vejo mulheres maduras e robustas usando saias curtas de líderes-de-torcida" e acabo caindo em um link da wikipedia com fotos de líderes-de-torcida americanas e isso sim me deixa feliz. Começam chegar os rapazes, três usam boinas e sapatos brancos, trazendo a tiracolo os instrumentos para uma bela roda de samba. Os outros dois chegam brincando de "mão-na-mula", vestidos de Kiko e Chaves. Já os dois supervisores chegam vestidos de Supergêmeos e meu gerente, que também é um velho sabujo do mar, um pirata da velha época, chega usando seu tapa-olho, chapéu com caveira e um papagaio em cada ombro. Mas como ele é corcunda, ele tem três ombros. Cada papagaio fala em um idioma, é bem maneiro. Então eu me arrependo de ter trocado de roupa e volto a usar minha roupa de Batman.

Antes de começar o expediente, todos nos levantamos, damos as mãos e dançamos a dança do pintinho amarelinho depois de fazer uma prece rápida. Para chegarmos as nossas mesas, precisamos arriscar as nossas vidas para atravessar o fosso com piranhas, jacarés e john mcclanes. Usando o cipó feito da trança da rapunzel, todos escapamos e nos dirigimos às nossas mesas - são 9h da manhã. Nossas mesas sobem e descem de acordo com os índices da bolsa e por isso minha máscara me protege das constantes batidas de cabeça no teto. Duas pessoas morreram nos últimos meses pois se julgaram seguras. Espertonas, pagaram caro.

Durante o dia faço alguns relatórios, atendo telefonemas e antes do almoço sou chamado pra uma reunião. Nosso diretor, vestido de Darth Vader porém com a barriga do Seu Boneco, corta os meus dois braços com seu sabre de luz porque eu não consegui cumprir uma meta. Como sabia que isso ia acontecer, vim com os meus braços de leite e na hora do almoço já nasceram os permanentes. Preciso comprar braços de borracha - e isso não tem nada de "punho" sexual, apenas de sobrevivência. O gerente do meu gerente tem a lingua presa e é gago, por isso ele sempre canta pra passar as mensagens. Aqui ele é conhecido como o Trovador, e parece que só sabe cantigas de escárnio e maldizer. Ele me parabeniza pelo esforço e passa gelol na minha testa. Segundo ele, foi assim que ele aprendeu a ficar de cabeça fria. Eu acho que ele é louco, mas resolvo cantarolar com ele e o trio bandoleiro do departamento - que na verdade são assassinos, mas nenhum deles se parece com o Antônio Bandeiras, no máximo como o Antônio Carlos Jobim (aka Erundina) ou o Antõnio Carlos Magalhães.

Almoço no restaurante dos gangstêrs, o Princepessa dei Floriano, cujos donos são Al Wochton e sua esposa Lucinética Pepperoni. Almoçamos lá e voltamos surfando no ônibus e depois voamos capturando cometas. Algumas mulheres se oferecem, mas como estamos atrasados, nós deixamos elas de lado e vamos em frente (talvez com "punho"). Depois do almoço sempre bate aquela preguiça, então uso minha técnica ninja de replicação e deixo meu clone trabalhando enquanto durmo no banheiro. Às 15h, começa o período crítico, a barreira psicológica. Troco emails desenfreados com alguns amigos, dentre eles um que tem um seriado próprio em que come castanhas do pará e salta de montanhas. Pela janela, vejo na rua que alguns mutantes estão perturbando a paz dos civis, então desço lá e sento o cacete (sem "punho") neles sem dó e em 10 minutos estou de volta à minha mesa.

Mais uma reunião, gerente Pirata, gerente gerente Trovador e os supervisores Supergêmeos. A reunião termina perto das 17hs e são os relatórios finais. Faço os relatórios e as meninas cantam e dançam em cima da mesa. Resolvo me juntar por alguns instantes à roda de samba, cantando e liquidando operações, fazendo transferência e créditos e se divertindo pra valer. Termina o dia e me despeço - para sair do prédio temos que cantar e usar nossas roupas do avesso, então sempre uso sungas. Pego meu carro de papier mâché e enfrento o trânsito de volta. Ao invés de voltar pra minha árvore, vou para a minha velha casa nos Alpes Andreenses, lá chego, ponho minha calça boca-de-sino e imito os Bee Gees enquanto assisto um pouco de tv e checo meus emails. Depois coloco meu pijama do Capitão Planeta e deito-me para dormir. Se tiver sorte, durmo rápido porque amanhã tem mais.

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Tadeu

Comentava com um colega, quando este falava da atual situação do curso de música da UFPR, que cada aluno é, em sí, um curso diferente. (Curso = caminho, lembram, né?) Isso, eu sei, não é exclusividade nossa. Quase toda realidade universitária hoje particulariza-se na rotina e nos estudos de cada aluno, a não ser talvez por aqueles poucos cursos que demandam dedicação exclusiva. Na rotina e nos estudos... pensemos na rotina.

Um curso noturno terá muitos de seus alunos trabalhando 8 horas por dia - bem vestidos. Isso nota-se quando se olha pra uma sala de administração ou direito do primeiro e último anos. A mudança de guarda-roupa – e de rotina – é brutal. Agora o que dizer de um curso de música vespertino? Ainda mais um que não tem um direcionamento mercadológico definido - como a produção musical.

Alguns dão aulas - de música ou não - por ter um horário flexível o bastante. Outros tocam regular ou esporadicamente. Outros até fazem uma segunda faculdade no período da manhã. É realmente um mar de alienígenas. Mais alienígenas ainda por sermos a maioria de fora da cidade. Ou seja, sem base de comparação. Não sei se trabalho mais ou menos do que deveria.

Sei que o tempo livre entre os afazeres do dia - sempre bem espalhados - é complexo. Se estou estudando, penso no trabalho. Se trabalho, penso no descanso. Se descanso, me sinto inútil. E a concentração vai pro espaço. É muito difícil organizar uma semana em que se trabalha e estuda em pequenos horários espalhados pelos dias. E o restante do tempo fica em nossas mãos – uma responsabilidade à qual não me acostumei ainda, depois de quase três anos na brincadeira.

Mas tem seu lado bom: marcar um almoço com alguém é tarefa bem fácil e sair a noite é possível numa terça-feira (mas não numa sexta). Ir a pé ao trabalho – o que acabei de fazer – também dá uma boa melhorada no resto do dia. Areja a cabeça o suficiente para acabar um texto como esse. Coisa que não consegui fazer no conforto do meu lar.

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Marcel

Toda terça feira começa igual, ainda com gostinho de segunda. Acordo sem vontade, impulsionado simplesmente pela curiosidade de saber o que tem pro café. Levanto, jogo água na cara e logo vou pra cosinha encontrar a primeira decepção de não ter nada além de um tomate velho na geladeira. Volto pro quarto e me sento na cama para me vestir... estava fácil até ter que colocar as calças. Saio de casa no mesmo minuto todos os dias, 7:28am, isso da 5 minutos de margem de erro para o motorista do ônibus. Chego à universidade para completar minhas horas de sono diante de um professor gordo, careca e enfadonho até a hora do almoço. No almoço tenho varias opções, entre elas digerir minhas velhas úlceras, alimentar minhas ulceras com algo que entupirá minhas artérias, pagar caro num prato mísero de comida caseira, ou pagar super caro em um buffet sem gosto e sem muitas opções. Após o almoço estou pronto para adicionar horas de sono extra diante de outro professor, menos gordo, com mais cabelo e igualmente enfadonho. Minhas pálpebras se mantém dormentes até que a dor na lombar se torne incômoda o suficiente para me acordar, aí o caderno começa a ganhar palavras, rabiscos, gráficos, contas, a economia de casa, a lista de compras, etc. No fim da tarde vou para a biblioteca, revisar o material que preparei no domingo para a aula que darei em 40 minutos. Antes da aula, passo na secretaria para pegar giz, e aproveitar algum momento de descontração em uma conversa sem sentido. No caminho para a sala de aula ja vou tirando da mala o ânimo de professor recem formado que achei por ai. No horário da aula a sala ja esta repleta de ar e carteiras vazias. Tem também alguns alunos. Começo a aula e me apresento pelo nome, toda vez, mesmo sabendo que são os mesmo alunos. Passo um exercício na lousa, alguns copiam, outros apenas fingem quando eu olho. Estão economizando papel para os filhos que morrerão de fome pois o pai foi idiota e não aproveitou a oportunidade de estudar. Depois de ser o professor, gordo, com cabelo e igualmente enfadonho, vou para casa fazer algo útil. Preparo minha própria janta, lavo minhas próprias roupas, e faço meus trabalho e tento aprender algo até dormir de novo.

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